Por Luis Felipe Pellon (*)
Muitas coisas estão acontecendo recentemente no Brasil, modernizando o país e modificando profundamente as relações entre pessoas e empresas. O nível de exigências aumentou, tudo se tornou mais complexo e veloz, impondo novas práticas, técnicas e comportamentos. Nota-se também uma grande abertura para o mundo, tanto para fora quanto para dentro. De fato, as hordas de brasileiros viajando ao exterior estão também, sem dúvida, na raiz dos recentes movimentos sociais no país. Sim, porque ao vivenciar a qualidade de vida e de serviços públicos em outros países (até mesmo aqui da América do Sul), o cidadão se pergunta por que não podemos ter o mesmo padrão aqui.
Por outro lado, definitivamente, o Brasil ainda está na moda e muitas empresas e prestadores de serviços estão se instalando no país, de olho nos inúmeros negócios e oportunidades criados em todo o território nacional. Para estes, as Bancas de Advocacia nacionais tem grande dificuldade de explicar o país que, de fato, é difícil de entender. Nosso sistema fiscal é complexo, há impostos e taxas de todo o tipo, inclusive incidentes sobre as relações de trabalho. A burocracia estatal é pesada e o sistema legal é codificado, sendo restrita a liberdade contratual. Há leis de defesa do consumidor bem severas e os tribunais demoram a decidir as questões que lhes são submetidas e, acima de tudo, a litigiosidade nos tribunais brasileiros é muito superior a de outros países, submetendo assim as partes a um longo e desgastante estresse judicial, com potencial de causar prejuízo às relações comerciais futuras entre as empresas litigantes. As relações com o governo nem sempre são fáceis e as regras de concorrência estão ainda numa fase inicial.
Apesar disto, ainda assim há muito espaço para negócios e para a advocacia, nacional e internacional. A presença de escritórios de advocacia estrangeiros no Brasil é relativamente recente, e tem crescido exponencialmente em razão da pouca experiência de nossos profissionais com as práticas e os instrumentos modernos, utilizados nos negócios internacionais. Aqui também se abre um enorme campo para o ensino jurídico e linguístico, que as escolas de direito ainda não perceberam, o que conduz a uma demora em se adaptar a esta nova realidade.
Neste contexto, um dos aspectos mais interessantes dos tempos atuais diz respeito às novas técnicas de solução de conflitos, com as pessoas e empresas exigindo mais velocidade e menos estresse. A Arbitragem é o instrumento mais conhecido e que, a despeito de ter sido recentemente implantada em nosso país, tem evoluído muito, sendo bem aceita especialmente por empresas. Ainda se ressente de um quadro mais qualificado de árbitros independentes, mas segue firme em seu caminho, demonstrando ter um futuro brilhante como meio de solução de conflitos em nossa sociedade.
Na área em que atuo mais fortemente, a de seguros e resseguros, a arbitragem já é uma realidade, embora também ainda tenha muito espaço para crescer. De fato, toda área em que parceiros frequentes de negócios possam ter desavenças pontuais é candidata forte para a prática da arbitragem, que pode contribuir eficientemente para que o stress judicial seja evitado ou atenuado, focando-se a solução da desavença naquilo que realmente interessa, de forma rápida e objetiva, e decidida por profissionais com qualificação e experiência adequadas ao exame da questão. Com isto, as relações comerciais são preservadas e a continuidade de negócios fortalecida por decisões racionais que contribuem para o esclarecimento das relações jurídicas que vinculam as partes.
Na forma da Lei 9.307/96, a instituição da via arbitral para solução de eventual conflito é consensual e para sua validade deve constar de forma explícita da apólice de seguro (ou resseguro), devendo o segurado (ou ressegurado) concordar expressamente com sua realização, por meio de documento anexo ou em negrito no próprio corpo do contrato, apondo sua assinatura ao lado da cláusula compromissória.
Claro que ainda será necessário firmar o Compromisso Arbitral, onde serão definidos vários aspectos, como as regras de direito (material e processual) aplicáveis ao caso (que também poderá ser decidido por equidade), o idioma e o órgão arbitral, dentre outros aspectos específicos. A decisão emitida pelo Tribunal Arbitral é única e definitiva, de cumprimento obrigatório para as partes litigantes, que não poderão recorrer à justiça a não ser em casos excepcionais.
Outro instrumento importante, porém bem menos conhecido, é a Mediação que, assim como a arbitragem, destina-se a conciliar parceiros frequentes de negócios em suas desavenças, evitando a pesada carga emocional e o estresse causado por um processo judicial, objetivando encontrar uma solução rápida, justa e de baixo custo. A diferença, porém, está no fato de que a mediação adota processos mais informais e flexíveis, de forma a permitir ao mediador e às partes assumir posturas mais criativas e diferenciadas na busca de solução para seu problema. A mediação é feita por uma única pessoa, o mediador, e não por um tribunal de árbitros, e não tem o caráter vinculante da arbitragem. Na verdade, o mediador é um simples facilitador, sendo a decisão final tomada pelas partes e não por ele. A função deste é, pois, num ambiente de total confidencialidade, prover meios e oportunidades para que as partes conheçam melhor os diversos aspectos da questão, os pontos de vista e as expectativas da parte contrária, bem como as consequências de uma possível batalha judicial para, juntos, encontrarem uma solução que atenda a todos.
Cada mediação é diferente, assim como os mediadores diferem em sua maneira de trabalhar. Embora não siga o rígido protocolo das arbitragens, a mediação geralmente passa por certas fases, atendendo a uma técnica de encaminhamento de soluções. Primeiramente passa por uma fase preliminar de escolha do mediador, definição de seus honorários, indicação das pessoas autorizadas a interagir com o mediador, a expectativa de tempo para finalização do processo e alguns outros parâmetros e regras que deverão ser seguidos durante o processo. A partir daí inicia-se uma fase de coleta de informações, onde as partes expõem ao mediador, separadamente, seus pontos de vista e expectativas sobre a questão em análise. Neste momento as partes podem também questionar uma à outra sobre aspectos do caso, assim como colocar suas insatisfações e frustrações de expectativas. Esta fase de “alívio” de frustrações é considerada relevante, pois, se bem conduzida, pode propiciar uma nova visão da outra parte sobre o caso e encaminhar soluções. Neste momento torna-se também possível ao mediador identificar exatamente quais são os aspectos fundamentais em disputa, isolando-os de outras questões periféricas que, eventualmente, poderiam perturbar o processo de conciliação das partes. A partir daí inicia-se uma nova fase, onde o mediador deve então recolocar a questão, utilizando-se de uma linguagem neutra e aceitável para todos, e reunir-se com as partes, separadamente, para avaliar até onde cada um está disposto a ceder. Uma vez que o potencial de conciliação esteja identificado pelo mediador, inicia-se a fase final, de negociação, onde o mediador se esforçará para levar as partes a um acordo.
Como se vê, o mediador difere do árbitro e deve ter características muito especiais, de experiência e personalidade, posto que no seu desempenho atuará como organizador, consultor, estrategista, analista de problemas, intérprete, juiz, coordenador e, frequentemente, também como “ombro amigo”.
Atualmente encontra-se em análise pelo Congresso Nacional um projeto de lei visando implantar a mediação, em caráter obrigatório, em todas as ações levadas ao judiciário que tratem de direitos disponíveis. Seria uma fase preliminar, com a duração máxima de dois a três meses, diferente da conciliação hoje praticada em nossos tribunais, porque se pretende (ou se imagina) mais complexa, inclusive com características muito próximas às da arbitragem, e não da mediação. Todavia, embora chamada de mediação, em nada se confunde com a metodologia acima descrita, constituindo apenas um novo nome para a conciliação, até então feita em uma única audiência. Alguns países implantaram sistemas semelhantes, sendo o caso mais conhecido o da Argentina, onde não se pode dar início a um processo judicial sem que as partes comprovem ter passado por um processo prévio (e obrigatório) de mediação. Obviamente isto não deu certo e criou-se um sistema cartorial de carimbos liberadores para o acesso ao judiciário.
Um legítimo processo de mediação passa, necessariamente, pelo livre engajamento das partes e pela informalidade dos procedimentos extrajudiciais, sendo difícil conduzir uma conciliação sem que haja um efetivo desejo das partes em realizá-la. Não me parece que um conciliador judicial tenha tempo e esteja preparado para motivar as partes a fazê-lo, utilizando-se de todas as técnicas acima descritas. Tudo faz crer que ou iremos perder três meses do curso processual sem grandes resultados, ou a mediação judicial projetada pelo legislador regrida para a simples audiência de conciliação que temos hoje.
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(*) Luis Felipe de Freitas Braga Pellon, advogado pela Faculdade de Direito da UFRJ, atua desde o início de sua carreira profissional na área do direito de seguro, já tendo exercido funções de chefia do departamento jurídico das seguradoras Generalli e Sulamérica, e de assessoria dos presidentes dos principais órgãos públicos do setor, a SUSEP - Superintendência de Seguros Privados, e do IRB – Brasil Resseguros S/A. Atualmente é sócio administrador de Pellon e Associados Advocacia, com escritórios no Rio de Janeiro, São Paulo, Vitória, Recife e Brasília. É Membro da Seção Brasileira da AIDA, a Associação Internacional de Direito de Seguros, já tendo exercido a presidência da associação. Autor de vários artigos, monografias e livro sobre seguros, recebeu em 2003 a Comenda da Ordem do Mérito Judiciário, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e em 2012 foi incluído pela publicação inglesa Lawyers Montlhy na lista dos 100 Leadings Lawyers do mundo.
Fonte: Jus Econômico, em 11.11.2014.