Novas regras entram em vigor em 1º de julho de 2026 e aprimoram o arcabouço regulatório das autogestões
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) publicou, no dia 31 de outubro, a Resolução Normativa (RN) nº 649/2025, que atualiza e moderniza a regulamentação aplicável às operadoras de planos de saúde na modalidade de autogestão, com foco em previsibilidade regulatória, alinhamento de práticas de mercado e consolidação de procedimentos. A RN nº 649/2025, que entra em vigor em 1º de julho de 2026, altera a RN nº 137/2006 e revoga a IN nº 20/2022.
Contexto Regulatório
A atualização foi aprovada pela Diretoria Colegiada da ANS e integra agenda voltada à sustentabilidade das autogestões, modalidade responsável por parcela relevante dos beneficiários da saúde suplementar, segundo a Agência.
O processo regulatório foi precedido por Análise de Impacto Regulatório e Consulta Pública (CP) nº 153/2025, tendo identificado assimetrias normativas e custos regulatórios que poderiam afetar a continuidade das operações de autogestões.
Principais mudanças
A RN nº 649/2025 promove alterações relevantes no âmbito de elegibilidade, governança, garantias financeiras, ingresso e saída de patrocinadores e mantenedores, além de flexibilizações operacionais.
Ampliação de elegibilidade
A norma amplia significativamente os grupos autorizados a integrar planos de autogestão, mediante ajustes nos incisos do art. 2º da RN nº 137/2006. Passam a ser elegíveis, entre outros:
- empregados, ex-empregados, administradores e ex-administradores da autogestão, de patrocinadora ou de mantenedora;
- aposentados anteriormente vinculados;
- sócios ou associados de entidades privadas patrocinadoras ou mantenedoras;
- militares e ex-militares de um ou vários entes federativos;
- servidores e empregados públicos, ex-servidores e ex-empregados públicos, incluídos os aposentados, da Administração Pública direta e indireta, de um ou vários entes federativos;
- integrantes de uma ou mais categorias profissionais;
- pensionistas dos beneficiários elegíveis;
- grupo familiar até o quarto grau do titular ou de seu cônjuge/companheiro, além de criança ou adolescente sob guarda ou tutela e curatelado, com qualidade de dependentes;
- pessoas previstas nas alíneas anteriores vinculadas ao instituidor, desde que este também seja patrocinador ou mantenedor.
Representatividade e governança mínima
O ato constitutivo da autogestão deve prever a elegibilidade de todos os beneficiários titulares contribuintes, bem como de patrocinadores e mantenedores, para compor o órgão máximo de administração e demais instâncias deliberativas, fiscalizatórias ou consultivas, assegurando-lhes direito de votar e ser votados. Fica vedada qualquer restrição à participação desses agentes nos órgãos de administração, ressalvado o modelo de autogestão do inciso I do art. 2º.
A estrutura organizacional mínima passa a exigir:
- conselho de administração, deliberativo ou órgão colegiado equivalente;
- diretoria executiva ou órgão executivo equivalente;
- conselho fiscal ou órgão equivalente de controle e fiscalização.
Garantias financeiras e acompanhamento econômico
A regra geral mantém a observância das provisões técnicas, dos ativos garantidores e do capital regulatório, bem como do registro pelo Plano de Contas Padrão da ANS e do envio de informações via DIOPS/ANS. Exceções:
- autogestão definida no inciso I do art. 2º; e
- autogestão com mantenedor que possua termo de garantia financeira aprovado nos termos da RN nº 649/2025. Nessa hipótese, inaugura-se um modelo padrão de Termo de Garantia Financeira, que aloca responsabilidades entre mantenedora e mantida, estabelece a assunção dos riscos econômico-financeiros, impõe obrigações de contabilização e divulgação, e prevê penalidades por descumprimento.
Ingresso, saída e reclassificação
- Ingresso de mantenedor: requer submissão à DIOPE de termo de garantia financeira acompanhado de balanço e balancete da pessoa jurídica ingressante. Após análise, a ANS poderá aprovar, exigir complementações em 30 dias ou rejeitar o termo. Enquanto pendente a análise ou em caso de rejeição, aplicam-se integralmente as obrigações financeiras.
- Saída de mantenedor: deve ser comunicada à ANS com a documentação comprobatória da deliberação do mantenedor e da ciência pela autogestão.
- Ingresso de patrocinador: deve ser formalizado por convênio de adesão aprovado pelo conselho de administração ou equivalente, com a autogestão mantendo em arquivo os documentos comprobatórios, inclusive ata registrada, para apresentação à ANS quando requisitado. Se o ato constitutivo não mencionar todos os patrocinadores, deve prever requisitos claros para ingresso e a autogestão deve divulgar a lista de patrocinadores em seu site e nas notas explicativas das demonstrações financeiras.
- Saída de patrocinador: exige deliberação formal em ata do conselho da autogestão, com declarações sobre cumprimento de obrigações, inexistência de beneficiários vinculados (com ressalva aos arts. 30 e 31 da Lei nº 9.656/1998), deliberação expressa da saída e comprovação de notificação prévia aos beneficiários com pelo menos 60 dias. Na extinção do convênio, os beneficiários são excluídos do plano, assegurada a portabilidade de carências nos termos da RN nº 438/2018.
- Reclassificação: a operadora pode ser reclassificada para “autogestão sem mantenedor” se constatadas desconformidades como totalidade do ativo inferior ao passivo exigível ou inadimplência contumaz com prestadores. Há prazo para saneamento, com possibilidade de prorrogação; não sanadas as falhas, aplica-se a reclassificação, sujeitando a autogestão às obrigações financeiras. O retorno à classificação com mantenedor depende de regularidade e novo termo de garantia financeira submetido à DIOPE.
Compartilhamento de rede e cobertura em localidade diversa
A norma passa a permitir o oferecimento da rede assistencial para contratação por outras operadoras, de qualquer modalidade.
Além disso, autoriza a oferta de cobertura em localidade diversa da área de atuação do produto para beneficiários que residam em outra localidade por motivo de aposentadoria, trabalho, estudo ou saúde, como serviço adicional registrado ou contratado, limitado a 10% do total de beneficiários da carteira.
Vigência e impactos para o setor
A RN nº 649/2025 revoga diversos dispositivos da RN nº 137/2006, bem como integralmente a IN nº 20/2022, consolidando a matéria no texto principal da RN nº 137/2006. A entrada em vigor ocorre em 1º de julho de 2026, propiciando período de adaptação para ajustes estatutários, atualização de convênios com patrocinadores, implantação de estruturas de governança e adequações operacional-contábeis.
As mudanças reforçam a sustentabilidade das autogestões ao ampliar a base de elegíveis, estruturar a governança, positivar o compartilhamento de rede e institucionalizar garantias financeiras por meio de termo padrão com mantenedores.
Além disso, a consolidação normativa tende a reduzir assimetrias, trazer maior previsibilidade e estimular o desenvolvimento de estruturas de autogestão alinhadas às melhores práticas de governança e gestão de riscos no setor de saúde suplementar.
Para mais informações sobre saúde suplementar e regulação do setor, conheça a prática de Life Sciences e Saúde do Mattos Filho.
*Com a colaboração de Bruno Simões Ferreira Lima.
Fonte: Mattos Filho em 14.11.2025