Por Arlindo de Almeida (*)
A crescente intervenção da Justiça para resolver conflitos entre consumidores e planos de saúde poderia ser observada como uma demonstração de amadurecimento institucional da sociedade brasileira.
Mas a dimensão que esse fenômeno vem ganhando indica, ao mesmo tempo, que a hiperatividade da Justiça não tem sido suficiente para criar um ambiente de consenso sobre direitos e obrigações, no qual o recurso aos tribunais seja a exceção e não uma porta lateral de acesso à assistência médico-hospitalar.
No site do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) comprova-se que, em sete anos, o número de acórdãos sobre planos de saúde aumentou 3.379%: de 512, em 2007, para 17.811, em 2013. Só neste ano, já foram registradas 9.817 decisões sobre o assunto de janeiro a julho, em julgamentos em segundo grau.
Medicamento é um tema presente em 1.272 acórdãos sobre planos de saúde até julho de 2014 (13% do total).
Entre a s ações mais comuns estão as que exigem o custeio de medicamentos experimentais (498 acórdãos ou 5%) e de próteses ou órteses ( 7 31 acórdãos ou 7,4%).
A judicialização do setor vem chegando ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), instância onde houve 187 acórdãos em 2013 e 120 já neste ano.
Dos 120, 63 tratam de disputas envolvendo negativas de cobertura para procedimentos ou medicamentos.
Vê-se pelas decisões, por exemplo, que, n a maioria das vezes, as restrições contratuais alegadas pelas operadoras não são suficientes, na visão dos juízes, para justificar as negativas de cobertura.
Para o embasamento de suas sentenças, os magistrados se apoiam no Código de Defesa do Consumidor ou na Lei 9.656, esta para afirmar que os prazos de carência não valem em casos de urgência e emergência.
Outras vezes entendem que a orientação do médico prevalece sobre as regras que limitam a cobertura dos planos ao rol de procedimentos obrigatórios da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ou à lista de medicamentos aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ambas agências reguladoras do setor.
Há divergências no próprio mundo jurídico. O Conselho Nacional de Justiça publicou enunciados que orientam o Direito na Saúde. O de número 26 defende: "É lícita a exclusão de cobertura de produto, tecnologia e medicamento importado não nacionalizado, bem como tratamento clínico ou cirúrgico experimental".
No enunciado 30 consta: ''É recomendável a designação de audiência para ouvir o médico ou o odontólogo assistente quando houver dúvida sobre a eficiência, a eficácia, a segurança e o custo efetividade da prescrição".
Mas a visão que tem prevalecido em relação aos planos de saúde nos tribunais tem posto em xeque a validade dos contratos.
A consequência é o aumento dos custos dos planos, para cumprimento das decisões judiciais, muitas delas distantes de um princípio de razoabilidade.
Essa conta é paga pelo conjunto dos beneficiários, pois entra no cálculo do reajuste das mensalidades. Para favorecer poucos, penaliza-se a coletividade.
Levada ao extremo, essa orientação põe em xeque o próprio modelo da saúde suplementar, pois, na medida em que os planos são obrigados a prestar assistência irrestrita, a saúde suplementar toma-se substituta do SUS.
É importante lembrar que os planos de saúde modernizaram o atendimento médico-hospitalar no País e hoje atendem a uma população de 50 milhões de brasileiros.
Mais de um bilhão de procedimentos são realizados por ano, entre consultas, internações, cirurgias, cirurgias de grande complexidade e exames.
Para a manutenção dessa enorme estrutura de prestação de serviços, é fundamental que se estabeleça um entendimento a respeito do papel e dos limites dos planos de saúde, que se traduza nas leis, nos contratos e nas decisões judiciais.
(*) Arlindo de Almeida é presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge).
Fonte: Tribuna do Espírito Santo/Abramge, em 23.10.2014.