Em 28/01/2013 a Editora Roncarati entrevistou o Profº da Universidade Federal Fluminense, Antonio Fernando Navarro, apresentando algumas considerações que conduziram à tragédia que se abateu na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, com o incêndio na Boate Kiss, onde, até aquele momento, havia a notícia de 232 mortos e dezenas de feridos, muitos devido à inalação de gases tóxicos provocados pela queima dos materiais de revestimento daquela boate, o que poderá aumentar a quantidade de vítimas da tragédia. Sem se entrar no mérito das responsabilidades o professor apresentou uma série de considerações, disponibilizadas no site da Editora. Complementarmente, solicitamos ao profissional que apresentasse uma proposta mais técnica que inibisse novas tragédias como a que o Brasil inteiro assistiu e que provocou uma comoção nacional, tal quais os incêndios dos edifícios Andraus e Joelma, ambos na cidade de São Paulo, e na Tragédia do Gran Circus Norte-Americano, na cidade de Niterói com a morte de cerca de 500 pessoas. Diante da gravidade da situação o professor apresentou novas considerações, desta vez mais técnicas, como se segue:
Editora Roncarati: Quais as propostas que o senhor apresentaria aos governantes nesse momento, para evitar as novas tragédias?
Antonio Fernando Navarro: Complementarmente ao que dissemos, urge que os nossos dirigentes tomem algumas medidas técnico-políticas que podem minorar a situação de fragilidade a que nos encontramos expostos, assim como sejam implementadas medidas de segurança simples mais necessárias, como a seguir:
- O País deve ter uma única norma de segurança contra incêndios que deva ser obrigatória para os mais de 5.600 municípios brasileiros, ou seja, os corpos de bombeiros militares de todos os estados devem consensar um só padrão de segurança, que seja eficiente. De norte a sul do País, daqui para a frente, quem quiser ter uma casa de shows deverá obedecer às mesmas regras. Há normas muito boas que podem ser aprimoradas. Assim, não se deve ignorar todo o conhecimento já adquirido. O Governo deve associar a essas comissões que irão compilar e unificar as normas representantes dos Corpos de Bombeiros, CREAS e Clubes de Engenharia, e convidar representantes de Universidades. Assim, poder-se-á associar o saber, à técnica e ao conhecimento das ações.
- Enquanto as normas de segurança não são implantadas e implementadas, os corpos de bombeiros e as prefeituras devem intensificar a fiscalização desses ambientes, não com uma fiscalização protocolar, mas sim com uma fiscalização técnica, com visitas in loco, e com o poder de interditar os estabelecimentos se houver o descumprimento das normas.
- Os estabelecimentos, começando com aqueles com capacidade de receber mais de 1.500 pessoas deverão se adequar às normas de segurança de imediato. Os requisitos das normas serão repassados pelos Corpos de Bombeiros que serão e são os co-responsáveis, caso as normas e procedimentos não sejam eficazes.
- Deve-se entender que eventos como o que ocorreu na Boate Kiss podem perfeitamente bem ocorrer em locais cujos projetos não levaram em consideração questões de proteção das pessoas em casos de catástrofes, como incêndios, alagamentos, desabamentos, vendavais, entre outros eventos, e que seja necessária a desocupação imediata dos locais para se evitar que a quantidade de pessoas atingidas seja grande. Assim, incluímos nesta relação os estádios de futebol, os ginásios de esportes, os templos e igrejas, as boates, discotecas, casas de shows, cinemas, teatros, colégios, salas de aula com maior capacidade de público, prédios públicos, edifícios edilícios, e todos as demais edificações e atividades assemelhadas.
- De imediato, essas edificações devem ter no mínimo duas saídas, em lados opostos, e com áreas de refúgio externas que tenham capacidade de abrigar as pessoas que irão desocupar os locais. Essas edificações não poderão ter elementos decorativos ou obstáculos em suas fachadas que dificulte o acesso das escadas de incêndio dos bombeiros.
- Além de uma segunda porta de emergência, as boates devem prever a possibilidade de ter, como alternativa, uma terceira saída, bastando para isso que no local a parede seja menos espessa e existam ferramentas para abrir passagens para a desocupação (marretas e picaretas).
- Os vigilantes e seguranças dessas casas de shows devem ser capacitados no combate a incêndios e na desocupação dos locais.
- As casas de shows devem instalar baterias de emergência com holofotes que estejam direcionados para as saídas de emergência. As rotas de fuga devem ser demarcadas no chão, preferencialmente com dispositivos de sinalização no piso do tipo “olhos de gato”, reflexivos. Nessas faixas não podem ser depositados materiais e posicionadas mesas e cadeiras. Devem ser faixas livres que as pessoas devam empregar para se dirigir às portas de saída.
- Todas as casas de shows devem ter brigadas de incêndio, que serão responsáveis pelo combate aos princípios de incêndio, e pela orientação aos frequentadores para a desocupação dos locais para áreas seguras.
Creio que todas essas medidas sejam possíveis de serem postas em prática e, algumas, já de imediato, com as ações políticas necessárias. Nós, o Brasil, temos experiência mais do que necessária para controlar situações como essas. O que nos falta é encarar com seriedade das situações e fazer o que deve ser feito. Exemplificando: se um empresário não cumpre a lei o estabelecimento é interditado até que ele consiga provar que cumpriu o determinado. CHEGA DE JEITINHOS, TÃO AO GOSTO DOS BRASILEIROS, e de acordos que envolvem subornos, na tentativa de fingir-se que se cumpriu o estabelecido em Lei. Somente agindo com seriedade conseguiremos demonstrar que somos competentes.
Cabe aqui um exemplo: em 1982 trabalhávamos no grupo do Banco Nacional, como gerente de risco para as quatro seguradoras do Grupo. As seguradoras haviam sido transferidas para um só prédio, com 22 pavimentos, no centro da cidade do Rio de Janeiro, na esquina da Avenida Passos com a Avenida Presidente Vargas. Nas duas laterais haviam outros prédios. Estabelecemos um plano de desocupação do prédio, estabelecendo acordos com os prédios vizinhos. Do lado do prédio comercial afinamos as paredes de cinco andares, assinalamos o vão com faixa vermelha e colocamos no piso demarcações. Havendo uma situação emergencial o funcionário poderia pegar a marreta que se encontrava em um abrigo e romper a parede. Com o outro prédio vizinho, ocupado na época pala Embratel, abrimos cinco portas, em andares específicos e instalamos portas corta fogo. As chaves das portas ficavam em caixas com vidro na tampa. Quando essa era rompida para a retirada da chave soava o alarme na portaria e a vigilância patrimonial saberia dizer qual a porta estava sendo aberta. Para o dimensionamento das saídas laterais, através dos prédios vizinhos, levamos em consideração a quantidade de pessoas que ocupava os andares. Tínhamos macas a cada três andares e um profissional de saúde de prontidão. Tudo isso foi elaborado e posto em prática em 1982, portanto, há 31 anos. Não esperamos que as normas mudassem. Nós mesmos mudamos nossos procedimentos. As normas estabelecem as condições mínimas necessárias. O que for feito, além disso, não é contrário à norma e sim favorável à preservação da vida, quando o assunto é segurança do trabalho.
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