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Luis Fernando Guerrero |
Rodrigo dos Santos Igrejas Filgueiras |
Há menos de um mês da entrada em vigor da Lei dos Contratos de Seguro, é hora de verificar se os atores do mercado estão prontos após o periodo de adaptação (vacatio legis) de 1 ano.
A lei traz um capítulo específico para tratar da regulação e da liquidação dos sinistros, questão que era discutida por estudiosos da área há muitos anos, visto que em países com legislação securitária “mais avançada” e que positivaram em lei própria a questão dos seguros, há mais tempo do que no Brasil, as leis já tratavam do tema da regulação de sinistros, como acontece em Portugal com o Decreto-Lei nº 72/2008, na França com o Code des Assurances, na Espanha com a Ley de Contrato de Seguro nº 50/1980, na Alemanha com a Versicherungsvertragsgesetz e no Uruguai com a Ley de Contrato de Seguro[1]
Uma das questões mais relevantes trazidas pelo capítulo sobre a regulação dos seguros está no seu artigo 86, que estabelece um prazo de trinta dias para que a seguradora se manifeste sobre a cobertura, sob pena de perder o direito de recusá-la[2]. Esse é um dos artigos mais comentados da Lei, com alguns o criticando, por defender que em questões securitárias de maior complexidade o prazo de trinta dias pode ser muito exíguo para que a regulação seja feita do modo correto, enquanto outros comemoram o artigo, defendendo que ele obrigará as seguradoras a efetivamente realizar a regulação, dando uma resposta em um prazo justo e necessário, afinal, quando ocorre um sinistro, o segurado deseja receber a sua indenização (se devida) o quanto antes, sendo certo que para algumas modalidades securitárias o recebimento da indenização pode ser a diferença entre “a vida e a morte” de uma empresa.
Independentemente da análise que se faça do prazo previsto pelo artigo, fato é que ele regula uma questão extremamente importante tanto para segurados quanto para seguradoras, sendo um ponto que já era discutido nos Tribunais e que precisava ser enfrentado pelo legislador, afinal, a demora desarrazoada da seguradora em realizar a regulação de sinistro, mesmo quando reconhecida pelo Judiciário, muitas vezes não resultava em prejuízos à seguradora, mesmo quando ela era condenada a efetuar pagamento de indenização securitária[3], por entendimento de que a demora consistiria em mero descumprimento contratual, não sendo apta a gerar, por exemplo, dano moral, de modo que a única “punição” à seguradora eram a atualização monetária e os juros, que por vezes resultavam em punições mínimas considerando a relevância do tema para o segurado. A jurisprudência, contudo, sempre esteve longe de ser pacífica. O STJ já condenou uma seguradora pela demora em realizar o conserto do carro de um segurado, entendendo que a demora da seguradora demonstraria “total desprezo” de sua parte, sendo suficiente para “lastrear a condenação ao pagamento de reparação moral”[4].
Havia assim um tema não positivado pelo legislador e que era julgado de modo distinto pelos tribunais nacionais, gerando uma relevante insegurança jurídica para segurados e para seguradoras, algo que possui um peso ainda maior em um mercado extremamente regulado como é o mercado securitário.
Ame ou odeie o prazo estipulado pelo bendito (ou maldito) artigo 86 da Lei de Contrato de Seguros, fato é que ele tapa relevante buraco legislativo brasileiro, trazendo bases legais e maior previsibilidade para as relações entre segurado e seguradora.
Caberá as seguradoras, a partir de dezembro, adaptar os seus procedimentos para garantir que o prazo de 30 dias para a regular os sinistros seja respeitado, sob o risco de ter que arcar com indenizações, mesmo que elas sejam, ou devessem ser, indevidas.
Luis Fernando Guerrero
Mestre e Doutor em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Mediação de Conflitos pela Northwestern University. Visiting Scholar na Columbia University. Fellow no Chartered Institute of Arbitrators. Árbitro e Mediador. Professor Universitário. Advogado e Sócio da área de Solução de Conflitos e Insolvência do Lobo De Rizzo Advogados (www.professorguerrero.com.br /
Rodrigo dos Santos Igrejas Filgueiras
Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Advogado Associado da área de Solução de Conflitos e Insolvência do Lobo de Rizzo Advogados
[1] Filgueiras, Rodrigo dos Santos Igrejas, O dever de Informação nos Seguros de Responsabilidade Civil D&O: Consequências de Sua Quebra, Roncarati, São Paulo, 2025, p, 75
[2] Art. 86. A seguradora terá o prazo máximo de 30 (trinta) dias para manifestar-se sobre a cobertura, sob pena de decair do direito de recusá-la, contado da data de apresentação da reclamação ou do aviso de sinistro pelo interessado, acompanhados de todos os elementos necessários à decisão a respeito da existência de cobertura.
[3] TJSP, Apelação Cível 1136617-38.2023.8.26.0100, Relator (a): Monte Serrat, 30ª Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/05/2025
[4] STJ, REsp n. 1.604.052/SP, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, Julgado em 16/08/2016
(14.11.2025)
