Por Valeria Schmitke (Legal & Compliance - Zurich Minas Brasil Seguros)
Uma herança ficou do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Ação Penal 470, sobre o mensalão: todos os brasileiros que acompanharam este evento tomaram conhecimento da Teoria do Domínio do Fato. Lançada em 1939 por Hans Welzel, essa teoria já foi utilizada para julgar crimes nazistas, da ditadura militar argentina e até o ex-presidente do Peru, Alberto Fujimori. Resumidamente, indica que a pessoa no comando de uma organização, seja um partido político, uma empresa ou o governo de um país, tem a obrigação de saber o que seus subordinados fazem, seja porque tem a liberdade de escolher quem será seu subordinado, seja porque tem a obrigação de vigiar os atos deles.
Em ética empresarial fala-se muito atualmente na “Obrigação de Saber”, ou seja, o empresariado tem o dever de diligência sobre os atos de seus empregados, fornecedores e intermediários. O Ministério Público e o Judiciário têm utilizado esse conceito e a imprensa tem sido impiedosa a respeito. Assim, por exemplo, a Zara tinha “obrigação de saber” que seus fornecedores estavam utilizando mão de obra similar à escrava, a Siemens tinha “obrigação de saber” dos acertos que estavam sendo feitos por seus representantes nas licitações públicas. Até a Superintendência de Seguros Privados já tem atuado nesse sentido ao responsabilizar diretores indicados para a Prevenção à Lavagem de Dinheiro por não terem implementado corretamente o programa de PLD nas empresas.
A lei 12.846/13 estabelece sanções às empresas que obtiverem vantagens em razão da prática de atos de corrupção ativa. O artigo 5º, III aplica as penas previstas na Lei à pessoa que “III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados”. Isso quer dizer que as penas previstas na Lei, que são bastante altas e podem gerar dano duradouro à imagem da empresa, podem ser aplicadas ainda que o ato tenha sido praticado por interposta pessoa ou, melhor dizendo, um intermediário.
Os intermediários, principalmente os que atuam junto a órgãos do governo em qualquer dos três poderes, deverão agora ser monitorados. Nessa categoria se incluem os advogados, despachantes, empresas de recuperação de salvados, corretores e muitos outros. A empresa precisará saber o que cada um deles faz, como faz e de que maneira obtém resultados.
Passou a época em que o empresário podia dizer “Não sei como ele faz isso e não quero saber”. Não existem milagres, se um processo junto a um órgão público demora sessenta dias, algo deve estar acontecendo para que ele seja resolvido em quinze dias por um intermediário específico. A empresa deverá manter constante due diligence sobre seus contratados e seus representantes a qualquer título.
Outro ponto importante: o preço de mercado para um determinado serviço. Como alegar desconhecimento de atividades suspeitas dos fornecedores se o pagamento por determinado serviço junto ao governo é feito em valor muito acima do normalmente praticado com outros fornecedores para trabalhos semelhantes?
Os programas de Compliance das empresas devem em primeiro lugar buscar “fazer a coisa certa” e subsidiariamente evitar condenações por descumprimento legal. Para fazer a coisa certa, em primeiríssimo lugar, é preciso não fechar os olhos. É preciso, no dizer de Immanuel Kant “Sapere Aude”, ou seja, ousar saber.
Fonte: Artigo publicado originalmente na revista Opinião.Seg nº 8, agosto de 2014, páginas 44 e 45.