Por Anna Guiomar Vieira Nascimento (*)
Resumo: O artigo visa estabelecer a compatibilidade da limitação temporal estabelecida pelo órgão regulador de seguros no Brasil para a celebração de contrato de seguro habitação, que visa quitar o saldo devedor do financiamento obtido junto a instituição bancária, na ocorrência de sinistro.
Abstract: The study proves that is compatible the regulation of the Brazilian regulatory organization that permits an age limitation for the habitational secure agreement to be responsible by the left payments of the financial contract, in case of sinister.
1. A área do Direito Securitário traz consigo questionamentos muito interessantes e que fazem parte do cotidiano das pessoas que muitas vezes não se dão conta do fato. Praticamente não são celebrados negócios jurídicos sem que haja em seu bojo contrato(s) de seguro (s). Neste breve estudo, o que se pretende abordar é tema de muito interesse para aqueles que necessitam de financiamento para a obtenção da casa própria , ou seja, irá se tratar aqui sobre a legalidade da restrição do prazo máximo de financiamento concedido pela Caixa Econômica Federal em todo o território nacional, utilizando-se o critério de idade do segurado, em especial no caso de idosos. Tal limitação se dá em função da regulamentação do seguro habitação que é obrigatório para a obtenção da linha de crédito. Como se sabe, a Superintendência de Seguros Privados- SUSEP, autarquia ligada ao Ministério da Fazenda, é o órgão regulador, no Brasil, da área de seguros. Desta forma, a sua legislação sobre o tema é de extrema importância e basilar para a abordagem do presente caso concreto.
2. Sendo assim, para abordar o mérito da questão a ser examinada, se faz necessária a análise do disposto no art.9º da Resolução CNSP nº 205/2009 que regulamenta o seguro habitação:
“Art. 2º O Seguro Habitacional tem por objetivo a quitação de dívida do segurado correspondente ao saldo devedor vincendo na data do sinistro relativa a financiamento para aquisição ou construção de imóvel, em geral, e/ou a reposição do imóvel, na ocorrência de sinistro coberto, nos termos desta Resolução.
Parágrafo único. O seguro de que trata o caput poderá, na forma da legislação vigente, ser operado por sociedades seguradoras autorizadas a operar seguros de pessoas ou por sociedades seguradoras autorizadas a operar seguros de danos, observadas as disposições desta Resolução e demais normativos do CNSP e da SUSEP.
ANEXO
DISPOSIÇÕES APLICÁVEIS AO SH/AM
Art. 9º A seguradora não poderá limitar a oferta da cobertura securitária a proponentes ao seguro habitacional cuja idade, somada ao prazo de financiamento e eventuais renegociações, seja inferior a 80 (oitenta) anos e 6 (seis) meses.
Parágrafo único. Independentemente do disposto no caput, não caberá a limitação prevista aos instrumentos contratuais firmados por pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, até o limite de 3% (três por cento) do número de unidades residenciais integrantes de programas habitacionais públicos ou subsidiados com recursos públicos.”
3.Pela redação do caput do art. 9º, da resolução acima transcrita depreende-se que a seguradora do seguro habitacional não poderá limitar a oferta contratual a uma idade que somada ao prazo do financiamento seja inferior a 80 (oitenta) anos e 6 (seis) meses. Significa, assim, que poderá haver limitação no sentido inverso, ou seja, a seguradora poderá estabelecer como condição para celebrar o contrato, que a soma da idade do Segurado ao prazo do financiamento, e suas eventuais renegociações, não seja superior a 80 (oitenta) anos e 6 (seis) meses. Desse modo, caso a soma da idade do segurado e o prazo do financiamento for superior a 80 anos e seis meses a seguradora poderá, com base em seu critério de subscrição, recusar a proposta de seguro. Vale destacar que essa regra serve para apólices de seguro habitacional e não para financiamento habitacional.
4.Como se vê no artigo 9º, da Resolução CNSP nº 205/2009 carrega no seu bojo uma discriminação etária que poderá ser exercida no âmbito da autonomia privada. Temos, assim, no caso em apreço, o conflito entre duas normas constitucionais. De um lado, o inciso IV, do art.3º, que estabelece como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a promoção do bem-estar de todos, sem preconceitos de idade e quaisquer outras formas de discriminação; e, por outro lado, o do artigo 170, que estabelece:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios dentre outros:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
(...)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”
5. A par disso, há que se mencionar, a Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) através da qual se garante às pessoas da melhor idade tratamento digno e não discriminatório e o seu direito de contratar. O primeiro embate da questão posta para exame é o de saber se é lícita a norma da SUSEP ao permitir que a Seguradora ao ofertar um contrato estabeleça limitações quanto à faixa etária daquele com quem vai contratar. Conceituar, delimitar bem a liberdade de contratar e a autonomia da vontade é precípuo para o bom deslinde da questão aqui tratada. A autonomia da vontade é um princípio que rege o Direito Contratual e se traduz na liberdade de contratar, de escolher com que se contrata, bem como o conteúdo da avença. Mas esta liberdade de contratar hodiernamente sofre limitações de ordem pública como ensina a Profa. Maria Helena Diniz [1]:
“É preciso não olvidar que a liberdade contratual não é ilimitada ou absoluta, pois está limitada pela supremacia da ordem pública, que veda convenções que lhe sejam contrárias e aos bons costumes, de forma que a vontade dos contraentes está subordinada ao interesse coletivo. Pelo Código Civil, no art. 421, “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato” (CF, arts. 1º,IV, 5º, XXIII, e 170, III). O contrato deverá ter, portanto, por finalidade e por limite a sua função social.
(…)
Ante o disposto no art.421, repelido está o individualismo, nítida é, como diz Francisco Amaral, a função institucional do contrato, visto que limitada está a autonomia da vontade pela intervenção estatal, ante a função econômico-social daquele ato negocial, que o condiciona ao atendimento do bem comum e dos fins sociais. Amputa-se, assim, os excessos de individualismo e da autonomia da vontade. Consagrado está o princípio da socialidade. O art. 421 é um princípio geral de direito, ou seja, uma norma que contém uma cláusula geral. Como a lei não define a locução “função social do contrato” , poderá ela ser interpretada de formas diversas, conduzindo à declaração de nulidade de cláusulas ou até mesmo de toda a avença. Por isso, procuramos delinear alguns parâmetros a serem seguidos, pois com essa função social do contrato teremos o justo processo legal substantivo. O contrato deve ter alguma utilidade social, de modo que os interesses dos contratantes venham a amoldar-se ao interesse da coletividade”. (o grifo não é do original)
6.Constata-se que o contrato deverá atender a uma função social, um conceito jurídico indeterminado, restando ao trabalho de interpretação da norma a avaliação dos pressupostos empíricos do caso concreto para concluir se o ajuste está ou não cumprindo a sua função social “de modo que os interesses dos contratantes venham a amoldar-se ao interesse da coletividade”. Além disso, há que se sopesar o atendimento a dois dispositivos constitucionais: o do tratamento digno e não discriminatório dos idosos, e o da livre iniciativa.
7. Cabe , neste ponto, trazer o exemplo do caso Lebach mencionado pelo eminente autor Robert Alexy na tradução precisa do Prof. Virgílio Afonso da Silva em obra da sua autoria [2],caso esse que tratava do assassinato de quatro soldados alemães que estavam de sentinela em um depósito de munição, sendo que teriam sido mortos enquanto dormiam e as armas foram roubadas para o cometimento de outros crimes. Um canal de televisão alemão estava para exibir um documentário sobre o fato na época em que um dos autores do crime estava para ser libertado. Estavam em conflito dois princípios constitucionais: de um lado, o direito fundamental de um cidadão à sua ressocialização; e, do outro lado, a liberdade de informar por rádiodifusão. O Tribunal Constitucional Federal alemão teve que solucionar este conflito da seguinte forma:
“Esse “conflito” - como o Tribunal Constitucional Federal costuma chamar esse tipo de colisão- não é solucionado por meio da declaração de invalidade de uma das normas, mas por meio de “sopesamento”, no qual nenhum dos princípios- nesse contexto, o Tribunal Constitucional Federal chama-os de “valores constitucionais” - “pode pretender uma precedência geral”. Ao contrário, é necessário “decidir qual interesse deve ceder, levando-se em consideração a configuração típica do caso e suas circunstâncias especiais”. Uma descrição mais inequívoca de uma colisão entre princípios dificilmente seria possível. Duas normas levam, se isoladamente consideradas, a resultados contraditórios entre si. Nenhuma delas é inválida, nenhuma tem precedência absoluta sobre a outra. O que vale depende da forma como será decidida a precedência entre elas sob a luz do caso concreto. É necessário notar, neste ponto, que à já mencionada variedade de formas de sopesamento deverá ser acrescentada mais uma, a dos valores constitucionais.” (grife-se)
8. Para nortear a solução do presente caso concreto que trata da limitação etária aos cidadãos que pretendem contratar seguro habitação, cabe trazer a solução de controvérsia similar em julgado lapidar do Colendo Superior Tribunal de Justiça ao analisar um contrato de seguro de vida renovado ao longo dos anos e a notificação da Seguradora ao Segurado que atingiu a idade de 65 anos de sua intenção de não renovar mais o ajuste:
“DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA, RENOVADO ININTERRUPTAMENTE POR DIVERSOS ANOS.CONSTATAÇÃO DE PREJUÍZOS PELA SEGURADORA, MEDIANTE A ELABORAÇÃO DE NOVO CÁLCULO ATUARIAL. NOTIFICAÇÃO, DIRIGIDA AO CONSUMIDOR, DA INTENÇÃO DA SEGURADORA DE NÃO RENOVAR O CONTRATO, OFERECENDO-SE A ELE DIVERSAS OPÇÕES DE NOVOS SEGUROS, TODAS MAIS ONEROSAS. CONTRATOS RELACIONAIS. DIREITOS E DEVERES ANEXOS. LEALDADE, COOPERAÇÃO, PROTEÇÃO DA SEGURANÇA E BOA FÉ OBJETIVA. MANUTENÇÃO DO CONTRATO DE SEGURO NOS TERMOS ORIGINALMENTE PREVISTOS. RESSALVA DA POSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO DO CONTRATO, PELA SEGURADORA, MEDIANTE A APRESENTAÇÃO PRÉVIA DE EXTENSO CRONOGRAMA, NO QUAL OS AUMENTOS SÃO APRESENTADOS DE MANEIRA SUAVE E ESCALONADA.
1. No moderno direito contratual reconhece-se, para além da existência dos contratos descontínuos, a existência de contratos relacionais, nos quais as cláusulas estabelecidas no instrumento não esgotam a gama de direitos e deveres das partes.
2. Se o consumidor contratou, ainda jovem, o seguro de vida oferecido pela recorrida e se esse vínculo vem se renovando desde então, ano a ano, por mais de trinta anos, a pretensão da seguradora de modificar abruptamente as condições do seguro, não renovando o ajuste anterior, ofende os princípios da boa fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade que deve orientar a interpretação dos contratos que regulam relações de consumo.
3. Constatado prejuízos pela seguradora e identificada a necessidade de modificação da carteira de seguros em decorrência de novo cálculo atuarial, compete a ela ver o consumidor como um colaborador, um parceiro que a tem acompanhado ao longo dos anos. Assim, os aumentos necessários para o reequilíbrio da carteira têm de ser estabelecidos de maneira suave e gradual, mediante um cronograma extenso, do qual o segurado tem de ser cientificado previamente. Com isso, a seguradora colabora com o particular, dando-lhe a oportunidade de se preparar para os novos custos que onerarão, ao longo do tempo, o seu seguro de vida, e o particular também colabora com a seguradora, aumentando sua participação e mitigando os prejuízos constatados.
4. A intenção de modificar abruptamente a relação jurídica continuada, com simples notificação entregue com alguns meses de antecedência, ofende o sistema de proteção ao consumidor e não pode prevalecer.
5. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1073595/MG, Rel. MIN. NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 23/03/2011, DJe 29/04/2011)."
9. Como se vê da jurisprudência acima colacionada os contratos de seguro de vida celebrados com o Segurado ao longo de um período tempo devem ser honrados pela Companhia Seguradora a partir do momento em que o mesmo complete 65 anos , sendo que os novos cálculos tarifários ou de preço em razão do aumento do risco contratual deverão ser repassados paulatinamente, ao longo de extenso período de tempo , com a devida notificação prévia. Só haverá a rescisão contratual se o Segurado manifestar a sua vontade de não permanecer na avença. Constata-se que é considerada legal a alteração contratual , a fim de preservar o seu equilíbrio, quando o Segurado atinge determinada idade.
10. Com relação à possibilidade estabelecida em norma da SUSEP de que as Seguradoras não devem contratar seguro habitação se a soma da idade e do prazo de financiamento habitacional, e eventuais renegociações, ultrapasse 80 (oitenta) anos e 6(seis) meses, há que se levar em conta o princípio da liberdade de contratar ou não contratar que deriva da autonomia da vontade/ livre iniciativa. Este princípio consiste no direito da parte de “decidir, segundo seus interesses, se e quando estabelecerá com outrem uma relação jurídica contratual. Todavia, o princípio de que a pessoa pode abster-se de contratar sofre exceções, como, p.ex., quando o indivíduo tem obrigação de contratar imposta, como é o caso das companhias seguradoras relativamente aos seguros obrigatórios.” [3] As vertentes da autonomia da vontade são: a liberdade de criação do contrato, o da liberdade de contratar ou não contratar, a liberdade de escolher com quem vai contratar e a liberdade de determinar o conteúdo do contrato. A Seguradora não pode por sua exclusiva vontade, se já vem contratando com o segurado notificá-lo de que, em razão do implemento da idade de 65 anos, irá rescindir o contrato de seguro de vida. Entretanto, ao ofertar ao público um contrato de seguro de vida ou de seguro habitação, pode a Seguradora limitar esta oferta, levando em conta a idade do consumidor? Pode a Seguradora dizer, ao ofertar o seguro habitação, que não irá contratar com aquele consumidor cuja soma da idade e do prazo de financiamento habitacional, e eventuais renegociações, seja superior a 80 (oitenta) anos e 6 (seis) meses? A SUSEP ao estabelecer em instrumento normativo uma limitação etária para o seguro habitacional está efetivando uma discriminação etária ilegal?
11. Por fim, há que se atentar para um detalhe do caso concreto ora analisado, pois se trata de uma regra que estabelece poder haver limitação etária para seguro habitacional, ou seja, pode-se exigir que a soma da idade do Segurado com o prazo de financiamento habitacional, e eventuais renegociações, não exceda o limite de 80 (oitenta) anos e 6 (seis) meses, vale repetir. Para o deslinde específico desta questão é necessária a leitura da jurisprudência que trata de matéria análoga:
“DIREITO CIVIL. CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CLÁUSULA DE REAJUSTE POR MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA. INCREMENTO DO RISCO SUBJETIVO. SEGURADO IDOSO. DISCRIMINAÇÃO. ABUSO A SER AFERIDO CASO A CASO. CONDIÇÕES QUE DEVEM SER OBSERVADAS PARA VALIDADE DO REAJUSTE.
1. Nos contratos de seguro de saúde, de trato sucessivo, os valores cobrados a título de prêmio ou mensalidade guardam relação de proporcionalidade com o grau de probabilidade de ocorrência do evento risco coberto. Maior o risco, maior o valor do prêmio.
2. É de natural constatação que quanto mais avançada a idade da pessoa, independentemente de estar ou não ela enquadrada legalmente como idosa, maior é a probabilidade de contrair problema que afete sua saúde. Há uma relação direta entre incremento de faixa etária e aumento de risco de a pessoa vir a necessitar de serviços de assistência médica.
3. Atento a tal circunstância, veio o legislador a editar a Lei Federal nº 9.656/98, rompendo o silêncio que até então mantinha acerca do tema, preservando a possibilidade de reajuste da mensalidade de plano ou seguro de saúde em razão da mudança de faixa etária do segurado, estabelecendo, contudo, algumas restrições e limites a tais reajustes.
4. Não se deve ignorar que o Estatuto do Idoso, em seu art. 15, § 3º, veda "a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade". Entretanto, a incidência de tal preceito não autoriza uma interpretação literal que determine, abstratamente, que se repute abusivo todo e qualquer reajuste baseado em mudança de faixa etária do idoso. Somente o reajuste desarrazoado, injustificado, que, em concreto, vise de forma perceptível a dificultar ou impedir a permanência do segurado idoso no plano de saúde implica na vedada discriminação, violadora da garantia da isonomia.
5. Nesse contexto, deve-se admitir a validade de reajustes em razão da mudança de faixa etária, desde que atendidas certas condições, quais sejam: a) previsão no instrumento negocial; b) respeito aos limites e demais requisitos estabelecidos na Lei Federal nº 9.656/98; e c) observância ao princípio da boa-fé objetiva, que veda índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o segurado.
6. Sempre que o consumidor segurado perceber abuso no aumento de mensalidade de seu seguro de saúde, em razão de mudança de faixa etária, poderá questionar a validade de tal medida, cabendo ao Judiciário o exame da exorbitância, caso a caso.
7. Recurso especial provido.
(REsp 866.840/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 07/06/2011, DJe 17/08/2011)”
12. Os princípios que nortearam a decisão anteriormente transcrita, de igual forma deverão estar presentes neste estudo. Qual seria o valor subjacente a uma norma que estabelece que pode ser recusado o seguro habitacional, para a obtenção do financiamento da casa própria, se a soma da idade e do prazo do financiamento habitacional e eventuais renegociações, for superior a 80 (oitenta) anos e 6 (seis) meses? Ao que parece está a se salvaguardar o equilíbrio do mercado securitário, que ao celebrar um ajuste em termos contrários aos estabelecidos na norma terá que honrar em proporção maior, valores elevados a serem pagos a título de indenização, em função até mesmo da expectativa de vida do brasileiro. Tem-se, assim, que há uma precedência geral do princípio de que é vedada qualquer discriminação de idade em relação ao idoso. Mas essa procedência geral, no caso ora examinado, comporta exceções, como na contratação de seguro habitacional que , em vista de outro princípio, o da livre iniciativa também de matiz constitucional, e de determinados valores, como a expectativa de vida do brasileiro e a manutenção do equilíbrio do mercado securitário, pode estabelecer , através mesmo de norma específica, que a soma da idade do Segurado com o prazo de financiamento habitacional, e eventuais renegociações, não exceda a 80 (oitenta) anos e 6 (seis) meses. Tal sopesamento está justificado , inclusive, porque uma interpretação contrária tornaria inviável a realização do seguro habitacional, fato este que traria consequências graves no financiamento da casa própria, que está atrelada à dignidade humana. O seguro viabiliza a operação do crédito imobiliário, protegendo a instituição financeira que concede o financiamento para o comprador do imóvel, chamado de mutuário. É um produto que garante a quitação do saldo devedor para a instituição financeira no caso de falecimento ou invalidez permanente do mutuário, além de cobrir danos físicos ao imóvel previstos na apólice. Desta forma, a função social do contrato de financiamento habitacional e do próprio seguro habitação estarão sendo alcançadas.
13. Resta , por fim, o enfrentamento de uma questão final. A obrigatoriedade ou não do seguro habitacional quando da celebração de contrato de financiamento da casa própria. O artigo 14 da Lei nº 4.380/1964 que estabelece a obrigatoriedade para os adquirentes de habitações financiadas pelo Sistema Financeiro de Habitação contratarem seguro de vida de renda temporária foi derrogado pela Medida Provisória nº 2.197-43/2001. Esta medida provisória não foi reeditada, nem convertida em lei. Porém, o artigo 2º da Emenda Constitucional nº 32/2001 estabelece que: “As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.” A Medida Provisória nº 2.197-43 é de agosto de 2001 e a Emenda Constitucional nº 32 é de setembro de 2001.
14. O julgado a seguir transcrito do E. Supremo Tribunal Federal convalida o estabelecido artigo 2º da Emenda Constitucional nº32/2001:
“ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. DESAPROPRIAÇÃO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 125 E 535, I E II, DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 32. VIGÊNCIA. JUROS COMPENSATÓRIOS. MEDIDA PROVISÓRIA N. 1.577/97 E REEDIÇÕES. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. JUROS MORATÓRIOS. CUMULAÇÃO.
1. Afigura-se escorreita a rejeição dos embargos declaratórios quando, no acórdão embargado, não se apresenta nenhum dos vícios inscritos no art. 535, I e II, do CPC.
2. As medidas provisórias editadas em momento anterior à vigência da Emenda Constitucional n. 32, de 11/9/2001 – tal qual a Medida Provisória n. 2.183-56, última de uma cadeia de reedições da Medida Provisória n. 1.577/97 – continuarão em vigor até que ulterior medida provisória as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.
3. A ausência de depósito da oferta inicial quando da propositura de ações de desapropriação ou logo em seguida à distribuição não tem o condão de desobrigar o expropriante do pagamento da verba honorária, tampouco dos respectivos juros compensatórios.
4. "A vigência da MP nº 1.577/97, e suas reedições, permanece íntegra até a data da publicação do julgamento proferido na medida liminar concedida na ADIN nº 2.332 (DJU de 13.09.2001), que suspendeu, com efeitos ex nunc, a eficácia da expressão 'de até seis por cento ao ano', constante do art. 15-A do Decreto-lei nº 3.365/41." (Segunda Turma, REsp n. 638.859/CE, Segunda Turma, relator Ministro Castro Meira, DJ de 6/3/2006.)
5. "Ocorrida a imissão na posse do imóvel desapropriado, após a vigência da MP n.º 1.577/97 e em data anterior a liminar proferida na ADIN nº 2.332/DF, os juros compensatórios devem ser fixados no patamar de 6% (seis por cento) ao ano, exclusivamente no período compreendido entre 06.12.00 e 13.09.2001." (Segunda Turma, REsp n. 638.859/CE, Segunda Turma, relator Ministro Castro Meira, DJ de 6/3/2006.)
6. A sucumbência nas ações expropriatórias – matéria de ordem processual – rege-se pela lei vigente à data da sentença.
7. Em desapropriação, são cumuláveis juros compensatórios e moratórios, mesmo diante da atual redação do art. 15-A do Decreto-Lei nº 3.365/41.
8. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 776169/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/04/2006, DJ 23/05/2006, p. 147).”
15. Conclui-se, neste ponto, que o artigo 14 da Lei nº 4.320/1964 não está mais em vigor, em razão de sua derrogação expressa pela Medida Provisória nº 2.197-43/2001 que continuaria em vigor com a sua redação original até que outro dispositivo normativo a revogasse de forma expressa ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.
16. Nesse passo, adveio a Lei nº 11.977, de 07/07/09, que em seu art. 79, alterou o artigo 2º, da Medida Provisória nº 2.197-43, estabelecendo as condições para a cobertura securitária dos financiamentos habitacionais em apólices de mercado nos seguintes termos:
“Art.79. O artigo 2º da Medida Provisória nº2.197-43, de 24 de agosto de 2001, passa a vigorar com a seguinte redação:
§1º. Para o cumprimento do disposto no caput, os agentes financeiros, respeitada a livre escolha do mutuário, deverão:
(…)
§2º. Sem prejuízo da regulamentação do seguro habitacional pelo CNSP, o Conselho Monetário Nacional estabelecerá as condições necessárias à implementação do disposto no §1º deste artigo, no que se refere às obrigações dos agentes financeiros.”
17. Em virtude do disposto no §2º supratranscrito, o Conselho Monetário Nacional regulou a matéria por meio da Resolução CMN nº 3.811, de 19/11/2009, estabelecendo as diretrizes e as exigências para a contratação, pelos agentes financeiros da cobertura securitária prevista no art. 2º da Medida Provisória nº 2.197-43, com a redação dada pela Lei nº 11.977/09.
18. Posteriormente, o CNSP editou a Resolução nº 205, de 18/11/09, objetivando regulamentar o seguro habitacional em Apólices de Mercado – SH/AM, já que a competência para legislar sobre o Seguro Habitacional do Sistema Financeiro de Habitação - SH/SFH, à época existente, era privativa do Conselho Curador do Fundo de Compensação de Variações Salariais- CCFCVS, por força do disposto no Decreto nº 4.378, de 16/09/02. Por fim, foi atribuída à SUSEP a função de órgão divulgador das normas do CCFCVS atinentes ao SH/SFH, o que foi realizado através da Circular SUSEP nº 111/99 e suas alterações posteriores.
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[1] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito civil Brasileiro: 3. Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais, 27ª edição, São Paulo: Saraiva, 2011, pág.42.
[2] In “Teoria dos Direitos Fundamentais”, SP: Malheiros, 2ª ed., 2011, pág.100.
[3] Ob. op. cit. , pág.41.
(*) Anna Guiomar Vieira Nascimento é graduada em Direito, obteve o título de Mestre em Direito em 2003, ambos pela Universidade Federal da Bahia. Exerceu o cargo de Procuradora Federal de 1984 a 2015, sendo que de 2011 a 2015 trabalhou na Procuradoria Federal junto à Susep/SP. Atualmente é advogada autônoma atuando nas seguintes áreas: Direito Administrativo, Contratos, Seguros, Resseguros, Títulos de Capitalização , Previdência Privada e Direito Digital. É fluente em inglês. Lê e traduz bem francês e espanhol.
Fonte: Editora Roncarati, em 26.01.2016.